Produtividade x Customização
Nesta postagem, eu irei debater sobre um ponto meio controverso, a dicotomia entre produtividade e customização, afinal, qual a praticidade de ser único?
Já ressalto que não irei debater sobre as implicações de performance computacional a respeito do tópico, somente irei dissertar sobre as implicações pessoais disso.
Antes de irmos ao X da questão, precisamos primeiro entender, qual a necessidade de ser único?
A individualidade é intrínseca a quaisquer ser vivente, afinal, ela é a unidade mais básica de qualquer organização social, todo grupo é composto por um ou mais indivíduos com necessidades, interesses ou obrigações em comum. Sejam as formigas e a obrigação de manter a colônia, hienas e a necessidade da caça de presas maiores ou os humanos e seus interesses similares (criando subdivisões de grupos sociais, mas isso foge ao espectro dessa postagem); enfim, os humanos mais do que qualquer outra espécie parecem ter tornado esse conceito em algo socialmente desejável, (chega a ser paradoxal que o individualismo e o endeusamento da persona exista em uma sociedade apenas possível graças ao trabalho coletivo); o humano através de sua capacidade de reflexão sobre si e o mundo que o cerca passou a questionar a autenticidade de sua própria existência e a buscar formas de avaliar a si mesmo e àqueles que o cercam; começando assim a buscar um senso de propósito e identidade: "quem sou eu?", "por que estou aqui?", etc. Essas são só algumas das questões do porquê humanos buscam sentir-se únicos, eles podem buscar a singularidade por vários outros fatores, como a autoestima e a valorização pessoal, o reconhecimento de si, a expressão da individualidade, o senso de pertencimento e a aceitação pessoal; entre vários outros.
É natural que os humanos tentassem trazer esse senso para todos os campos dos quais eles fazem parte, mas por ora nos absteremos desse fator. Vamos avançar algumas dezenas de séculos e aterrissamos na segunda década do século XXI, entre os anos 2010 e 2019. Com o exponencial aumento populacional, a geração deste período temporal busca incessantemente uma identidade, coletiva ou individual; devido à crescente disseminação da filosofia niilista e o medo de nulidade existencial (não ter "tido uma vida" ou ter "sido alguém" propriamente dito), e no meio disso tudo existe um grupo social marcado pelo interesse em computação, sistemas e liberdade digital. Sim, eu estou falando da comunidade Unix.
Dentro dessa comunidade, o senso de individualismo e coletivismo vivem uma simbiose e duelam pela comoção dos usuários, "você quer ser unicamente singular dentre todo o resto do planeta?" ou "você quer ser parte de uma comunidade e ser reconhecido como isso?". Bom, os usuários, por mais pertencentes à comunidade, fazem questão de esbravejar sua singularidade, por mais que muitas "singularidades" sejam similares. E é dentro desse contexto que eu irei trabalhar, então vamos lá.
Qual a praticidade de ser único?
Imagine que você tem total controle de seu sistema e prefere modificá-lo para lhe representar, e que 98% do planeta utiliza-se do mouse para executar suas tarefas, e você, priorizando seu conforto e identidade, prefere mover todas as funcionalidades para o teclado, afinal, se você não tirar as mãos do mesmo, você poderá ser mais produtivo. Mas você percebe também que 80% das pessoas que fizeram o mesmo utilizam a tecla Super
(a tecla que contém a logo do seu sistema, Windows ou MacOS) como tecla para realizar as ações do sistema, e você, priorizando seu conforto máximo, prefere usar a tecla ]
para o mesmo fim.
Surpreendentemente, você consegue ser mais veloz e produtivo do que quaisquer outro grupo, com seu sistema todo feito sob medida com macros e comandos para você ser produtivo; porém, você acaba recebendo uma notícia de seu chefe dizendo que é imperativo que todos os empregados voltem a trabalhar presencialmente, e você então obedece. Chegando na empresa, você percebe que todos os computadores são padronizados e que não há forma de modificá-los para o seu modo de produção. A configuração dos computadores é similar à configuração dos 98% dos computadores que usam o mouse como forma de controle principal.
Subitamente, você percebe estar ficando para trás na velocidade de execução de tarefas, pois sua memória muscular está programada para seu modo de trabalho pessoal; efetivamente agindo contra você em seu ambiente de trabalho. E conforme você se acostuma a usar o mouse para realizar as atividades, ela passa a agir contra você em seu ambiente pessoal, pois você passa a desenvolver memórias musculares centralizadas no mouse.
Então, após semanas vendo uma queda de produtividade tanto em casa quanto no trabalho, você resolve falar com o seu chefe, e ele aprova uma medida que permite a opção de centralizar o modo de trabalho no teclado, mas, para fins de compatibilidade, a tecla de comando é imperativamente a tecla Super
. Você até consegue se adaptar e até observa um ganho na performance, mas não 100% devido à diferença entre seu ambiente pessoal e seu ambiente de trabalho. A escolha que lhe resta é uma só, "Aceitar a queda de produtividade e a constante frustração" ou "Abdicar de sua configuração de teclas única e passar a usar a mesma tecla para o trabalho e para seu ambiente pessoal". Qual escolha você faria?
Primeira Escolha: Manter-se singular
Bom, então você escolheu manter suas configurações pessoais e de trabalho distintas, e eu lhe pergunto, "Qual o motivo?", com o passar do tempo, sua memória muscular irá lentamente se adaptar à configuração que você mais usa, seja ela a sua pessoal ou a do trabalho, e a configuração oposta irá sofrer uma queda de produtividade devido ao seu "novo costume".
É efetivamente imprático manter-se 100% singular neste cenário, as frustrações tenderiam a aumentar, sem contar no fato de que caso um colega de trabalho ou outra pessoa tenha que utilizar seu ambiente pessoal, elas sofrerão as dificuldades devido à singularidade do sistema, elas teriam de constantemente lembrar-se das diferenças únicas e se adaptar, gerando transtornos e um gasto desnecessário de processamento cerebral.
Segunda Escolha: Abdicar da singularidade
Quer dizer então que você resolveu mudar seu ambiente pessoal para adequar-se ao seu ambiente de trabalho? Bom, se você se lembra bem, seu ambiente de trabalho foi baseado naqueles 80% dos usuários centralizados no teclado, então você concorda comigo que se você logo no início tivesse optado por usar a tecla Super
, todo esse transtorno teria sido evitado, você teria se acostumado a ser produtivo nessa configuração, e não teria tido tantos problemas assim.
Alguns podem argumentar que prever essas questões seria impossível e que nunca se sabe como será o futuro, e eles estão certos, mas o ponto dessa postagem não é esse.
Conclusão
Então qual seria a conclusão de todo esse cenário? Primeiramente, gostaria de ressaltar que embora os exemplos sejam simplórios, a metáfora reflete sobre as questões de opções padrões ao invés de opções customizadas; e que a vantagem das opções padrões é que elas serão as mesmas na maioria dos ambientes.
A abordagem que eu pessoalmente uso é manter-me padronizado nas questões essenciais, mas customizar coisas efêmeras. Por exemplo, eu uso o TMUX como multiplexer de terminal para ter a funcionalidade de múltiplos painéis em qualquer ambiente de texto, e prefiro manter meus atalhos de teclado (keybindings) padrões, pois sei que elas serão as mesmas em qualquer ambiente que tiver o TMUX, e que, ao me acostumar com elas, serei "igualmente" produtivo em todos esses ambientes (isso também justifica o fato de eu preferir o TMUX em vez do multiplexing de Emuladores de Terminal modernos, justamente porque sei que o TMUX funciona em qualquer interface, gráfica ou não).
Mas também mantenho-me customizado nas questões efêmeras, como meu Wallpaper, esquema de cores, funções customizadas do shell para simplicidade de uso (como uma função que abre um menu para eu poder selecionar o projeto que eu quero trabalhar no momento), entre outras coisas simples. Essas customizações, junto com a adoção de padrões, fazem com que eu consiga ser muito produtivo na maioria dos ambientes.
Dessa forma, meu sistema continua sendo singular devido às abordagens que eu uso para resolver essas efemeridades, porém ele mantém-se "universal" e permite que eu seja produtivo logo de cara em outros ambientes diferentes, porém similares em certo modo.
É como diz o velho ditado "moderação é a chave", saber identificar quais questões podem ser totalmente torcidas para seu gosto e quais são recomendáveis a serem mantidas comuns é algo que eu sinceramente desenvolvi com o tempo, então não tenho muita dica para isso.
É isso, mais uma postagem, porém debatendo alguns aspectos que eu vejo nas comunidades que frequento, até a próxima.